O redator de Propaganda que sempre fui, hoje, está dando uma colher-de-chá ao contista aprendiz. Tomara que vocês gostem.
A começar pelo título, pois a Propaganda me ensinou que anuncio bom precisa de um título que corra atrás de seu público-alvo.
Falando sério, a história estava indo muito bem. Um começo misterioso, personagens intencionalmente indecisos, uma empregada diarista que, semanalmente, roubava alguma coisa das casas das clientes, um padre oportunista que organizava excursões para a Terra Santa e recebia por fora um qualquer da agência de turismo, um síndico sempre reeleito, (não se sabe porquê), embora suspeito de meter a mão no caixa, enfim, se fosse o caso de enquadrar o estilo, poderia ser chamada de “uma trama urbana, despojada, com definidos traços de humor, uma sensível busca de acidez semântica”, resumindo, um conto maduro com ingredientes que sempre deram certo para abrir uma coletânea em busca de editor.
Sim, caçar o editor seria o próximo e sofrido passo, pois era um livro de estréia, um salto no vazio, a ameaçadora humilhação do insucesso ou, se tudo desse certo, o começo de uma nova vida, a Noite de Autógrafos, o sussurro da glória, o abraço da reconhecida notoriedade, os tais quinze minutos tão sonhados, a ida ao programa do Bial, a menção na coluna dos famosos, talvez até a contratação de um Assessor de Imprensa, para deslanchar um trabalho pontual, um upgrade insinuante nas Redes Sociais.
Mas pintou uma dificuldade, até certo ponto fácil de prever; já tinha ouvido, por alto, falarem de um problema que ataca quem se atreve a provar a si próprio que sabe escrever.
Há quatro semanas o conto estava parado. Olhando pra mim no meio da tela. Havia umas quatro alternativas viáveis para o esperado desfecho.
A primeira delas, mais ou menos ingênua, do tipo final de novela das sete da Rede Globo, todo mundo se casa com quem deseja, o padre oportunista abandona o hábito e resgata a diarista da compulsão por furto e vão viver, juntinhos, uma tórrida aventura em Rio das Pedras.
Aqui entre nós, pensei, na sequência, dotar o padre de espírito empreendedor, inscrevê-lo num curso à distância do SEBRAE e fazer dele um badalado dono de foodtruck na Freguesia. Mas desisti, ia passar de giro, a crítica, sempre impiedosa com estreantes, iria descer o sarrafo e gritar na mídia que eu estava apelando. Engraçado: o Nelson Rodrigues apelava e todo mundo curtia. Deixa pra lá. Pro destino do síndico, pensei em algo mais coerente: o tal síndico, que metia a mão no Caixa, renunciaria ao mandato, alegando perseguições de alguns condôminos, saia de casa sem dizer paradeiro (deixou aquela loura sensual e uma menina que o casal criava) e foi, diriam, pra Campos.
Se eu usasse esta variante para o desfecho, talvez fosse importante definir melhor se Campos no norte do estado ou Campos do Jordão, São Paulo, que é bem mais estiloso.
A dura realidade é que há mais de um mês eu não encontrava a saída. Estava dormindo mal, acordando sobressaltado, ligando o notebook de madrugada e encarando o conto, tentando descobrir um final, qualquer final. Pensei em mudar de idéia, abrir mão da história, optar por um tema mais simplório, telefonar, por que não, para um amigo pedindo conselho. Um colega do ginásio se aposentara como diplomata, esteve na ONU e serviu na China, tinha boas histórias pra contar, podia ser a minha salvação. Virei e mexi, fui e voltei, pensei e repensei, finalmente decidi. A história, que começou com toda a garra, não teria desfecho.
Melhor assim. Que cada leitor imaginasse um fim que mais achasse adequado ao meu conto de estréia!