A propósito dos 80 anos de Pelé, três lembranças.

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Conheci Pelé em 72. A Revista Visão, na época um importante veículo, prestigiado por Agências e Anunciantes, tinha criado um Prêmio, “o Homem de Visão”, que anualmente outorgava a alguém que estava em plena evidência.

Naquele ano, eu estava na Denison Propaganda e recebi o convite para um jantar de 400 talheres, no luxuoso Hotel Gloria.
Pelé havia sido escolhido o Homem de Visão. Foi neste jantar que o conheci e confesso que nosso encontro não passou de um singelo aperto de mão e palavras formais de congratulação pelo Prêmio.
Uma coisa, contudo, me marcou e ficou na memória.

Anos antes, em 1959, eu era aluno de São Bento e o Colégio recebeu a visita de Dom Helder Câmara, emérito arcebispo de Olinda e Recife, em passagem pelo Rio. Ele chegou ao Colégio, na parte da tarde e suspenderam as aulas, porque iriamos para o Ginásio ouvir uma palestra do venerando sacerdote.
Na saída, Dom Helder Câmara passou entre as alas formadas por nós, alunos, e, rapidamente cumprimentava alguns alunos que lhe estendiam a mão, num ritual apressado.
Senti no olhar de Dom Helder uma energia, uma força, algo muito especial que ficou marcado neste encontro.
Aonde eu quero chegar? Acredite. Na noite em que conheci Pelé, quando nos cumprimentamos, tive a impressão de que sua presença, seu carisma e sua irradiante personalidade me trouxe a lembrança de Dom Helder. Como nada acontece por acaso, fica aí o saudoso registro.

Uma segunda história que guardei do Pelé me foi contada pelo querido e já saudoso César Mourão, diretor de Marketing da R.J.Reynolds, quando, em 1979, eu estava junto com o Jomar Pereira da Silva na CBBA e atendíamos a conta do cigarro Chancelller… O fino que satisfaz, lembram?
Pois bem, Cesar me contou que uma noite voltava de São Paulo, naquele voo da Ponte Aérea que chamavam de Corujão, o último a sair de São Paulo, bem tarde, já depois das 10 horas com destino ao Rio.
O avião já estava taxiando perto da cabeceira de Congonhas pronto para decolar mas deu meia volta e retornou à área de embarque. Alguma pane? Alguma necessidade de última hora? O avião mantem os motores ligados, a porta é aberta e surge a elegante figura de Pelé.

O avião voltou para pegá-lo, o craque devia ter algum compromisso inadiável no dia seguinte no Rio e o voo foi retardado para que ele embarcasse.
Pelé caminhou pelo centro do aparelho e… sentou-se exatamente ao lado do Cesar, no único lugar vago que havia.

Cesar Mourão, emocionado pela feliz coincidência de ter o Pele como vizinho de poltrona, ficou na dele, não perguntou nada ao Pelé, não pediu autógrafo, não fez qualquer comentário sobre jogos passados, gols feitos e vitórias conquistadas.
Cinquenta minutos depois, o avião aterrissou, aquela descida linda, que passa ao lado do Pão de Açúcar, vem pelo lado do Parque do Flamengo e você se encanta sempre com a vista aérea noturna do Rio.
O avião para, a porta se abre, Pelé se levanta, estava na poltrona do corredor, olha simpaticamente para o Cesar, sorri amigavelmente e diz: “Boa noite, muito obrigado”. Cesar entendeu o agradecimento pelo fato de não ter importunado o Rei.

A terceira história que quero contar me foi passada pelo lendário Hercílio Malburg, famoso integrante do quinteto que botou a Denison Propaganda entre as maiores agencias brasileiras da época: Oriovaldo Vargas, Sergio Ferreira Demóstenes Lobo e Idalino Cavalcanti e Hercílio.

Hercílio me contou que numa noite chuvosa de julho de 1972, em Vila Belmiro, apareceram dois jornalistas franceses que tinham vindo ao Brasil para entrevistar o Pelé.
Chegaram uma hora antes do jogo que iria começar às 21 horas, entre o Santos e outro time paulista da primeira divisão do campeonato.
Fizeram a entrevista e comentaram com o craque que estavam lamentando não terem tempo para filmar um gol de Pelé, pois teriam que regressar a Guarulhos sem perder tempo: o voo deles, de volta a Paris, estava marcado para 23 horas.
Pelé disse que não teria problema; quando o jogo fosse começar, os dois franceses, com câmeras na mão, deveriam ir para trás do gol contra o qual o Santos atacaria.
Pelé avisou que combinaria com Coutinho e fariam mais uma de suas famosas “tabelinhas” e, em segundos, o gol aconteceria.

Os franceses, incrédulos, riram, atribuindo o comentário a uma excentricidade de Pelé.
A saída foi dada no meio do campo, Pelé se deslocou rápido, recebeu de Coutinho, devolveu para ele, se projetou para a entrada da área, recebeu de novo, driblou dois da defesa e deu um leve toque no canto esquerdo do goleiro.
Os franceses filmavam sem querer acreditar com as mãos trêmulas.
Pelé ainda teve tempo de acenar para os dois. A promessa tinha sido cumprida. Podiam voltar correndo pro aeroporto e não perderiam o voo da Air France.

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