Eu faço versos
como quem garimpa.
Coloco sentimentos na peneira
na pretensão, talvez desesperada,
de encontrar em cada curva do poema,
quem sabe uma palavra que revele
a emoção por mim desconhecida,
até então guardada a sete chaves
no cofre da memória.
Eu crio versos como quem duvida,
se existe um Deus que nos conduz a fala
ou tudo é obra do acaso e instinto
e a razão passa batida,
sem amparo ou prumo.
Eu forjo estrofes e não levo a sério
se já nasci com elas, por capricho,
ou saíram de mim por puro enfado
como o lobo desiste da presa por cansaço;
Eu recomendo a quem se diz poeta,
que não cometa os erros que pratico,
que acorde cedo e caminhe pelas ruas
procurando beleza nos becos e vielas,
fugindo de avenidas asfaltadas,
evitando tuneis, viadutos, pontes
imperfeitas que não ligam os pontos
imprecisos de alguns sonhos,
nossos sonhos, avessos a realidade.
E cometo versos qual presidiário,
que espera um novo julgamento,
anseia receber um habeas corpus
que me livre de culpas renitentes.
Urge ter nas mãos um salvo-conduto
que me afaste de incertezas e temores.
O caminho mais curto entre dois pontos
não é a reta, pobre figura geométrica.
O caminho é o desejo, se possível movido
pela paixão, alavanca imbatível de quem ama.
E não me venham dizer que a poesia está
agonizante na cabeça e coração dos donos
do poder, fugaz e temporário.
A poesia resiste na fome do mendigo,
na trajetória da bala perdida, no rastro do
inocente;
Ela insiste em se fazer eterna no pecado
do ímpio, na confissão do traficante,
arrancada com sorrisos pelo torturador.
A Poesia não se dobra diante do infortúnio
dos amantes, nem se deixa abater
pela maldição dos drogados, dos bêbados e
exorcistas.
Por tudo isso, cada poema que arquiteto,
tem gosto de sangue e perfume de lavanda.
É prova de fogo, que me imponho,
é salto à distância a que me obrigo.
E quando chega ao fim, por vaidade ou tédio,
acredito em mim, arauto de mim mesmo,
sem remédio.