Tenho pensado muito nisso. De repente, me dei conta de que o Rio de Janeiro está tatuado nas minhas memórias, está gravado em milhares de lembranças, está registrado em cada detalhe de uma cidade-irmã, uma espécie de mana que não tive, mais velha, mais experiente, generosa e conselheira.
Não existe uma rua, uma avenida, um beco, uma ladeira, uma esquina que não me tragam recordações, quase sempre evocativas de um passado que parece ter acontecido ontem e não se perdeu.
Um dia destes, entrando na Rua Evaristo da Veiga, passei pelo sobrado em que meus pais se conheceram e, acredite, me emocionei pelo fato de imaginar que minha vida começou ali, anos antes deles se casarem, embora eu tenha nascido, filho de lua de mel, na Marquês de Abrantes, num sobrado que está lá até hoje.
A Evaristo da Veiga me fez lembrar que ali, bem perto, na Álvaro Alvim, tinha um bar chamado Tangará, com uma batida de coco memorável.
Uma noite, tinha chegado com meu saudoso Marcello Antonio, meu filho mais velho, ao Tangará. Bons de bico, encostamos a barriga no balcão pra fazer as pedidas.
Tomei um susto, Marcello Antonio pediu um traçado e disse ao atendente: “mais vermute e menos cachaça, por favor”. Exatamente a “fórmula” do meu traçado, provando que o DNA existe!
Do Tangará, minhas recordações voam para o Ponto Chic, na 28 de Setembro, em Vila Isabel. Desta vez, volta à minha saudade um sanduíche de pernil inesquecível. Ah, os gostos da cidade… O Peach Melba adolescente do Café Palheta na Praça Saens Peña e o cachorro quente do Gaúcho, no Castelo!
Na Rua Teófilo Ottoni existiu um restaurante alemão, Fischer, que, cariocamente, chamávamos de “seu Ficha” e que ficou famoso pelo Labskaus que servia, um prato típico do norte da Alemanha, comida de marinheiro de Hamburgo, um gosto marcante, uma espécie de Beef Tartar.
Contavam uma história que Seu João, o dono, entrou na Barra do Rio, pouco antes da Guerra, num cargueiro alemão e ficou apaixonado pelo Rio de Janeiro.
Saltou no Porto e não voltou pra bordo, ficou na cidade e logo depois casou-se com a Dona Maria e, juntos, tocaram o restaurante.
Envelhecer na cidade que você ama é um prêmio que a vida lhe dá
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