O Vendedor de Lingerie

Square

Talvez ele não tivesse mais de 60 anos, mas aparentava um pouco menos. Uma vez, num papo informal, entre uma venda e outra, disse que era aposentado e decidira se virar, pra defender uns trocados a mais, vendendo roupa íntima para as meninas das Agências de Propaganda e redações de Jornais, que estavam chegando ao mercado.

Um comentário: No dia em que contarem a saga das mulheres para entrar no mercado de trabalho terão que registrar a importância da Publicidade e do Jornalismo, para que as mulheres entrassem na luta e, de mansinho, conquistassem vagas preciosas para enfrentar o machismo e ganharem a tão sonhada emancipação econômica.

Estávamos no início da década de setenta e os cursos de Comunicação Social começavam a patrocinar a chegada de muitas jovens, que chegavam com talento e muito charme (fui machista?), para brilhar.

Acho que o nome do nosso vendedor de lingerie era Arnaldo, mas não vem ao caso. Tinha que ver a alegria da rapaziada, quando ele chegava. 

Devia ter um roteiro planejado com critério, pois aparecia sempre, a cada quinze dias, um pouco antes do almoço, com sua elegante mala, que abria na recepção e juntava gente pra escolher e comprar.

Os modelos eram provocantes, cheios de detalhes sensuais e variedade de cores.

O forte do Arnaldo era a conversa e o estilo único para convencer possíveis compradores.

Tirava as calcinhas da mala, como quem pega um troféu e começava o show dizendo: “Leva pra sua mulher”, quando o possível comprador parecia casado; “compra pra sua amiga”, dando uma maliciosa piscada de olho e revelando um sorriso de canto de boca, como se soubesse de algum caso amoroso que poderia estar rolando  entre funcionários da Mídia e as meninas do Atendimento.

Era um craque na venda e sabia fazer fregueses fiéis.

Às vezes, se excedia e soltava um galanteio que fazia alguma garota ficar vermelha: “Trouxe aquele modelo que você gostou. Aquele violeta, aberto na frente, todo rendado”.

Já imaginou a excitação que isto gerava no grupo de clientes do Arnaldo?

Uma colega nossa, loura sensacional, sempre pegava uma calcinha com delicadeza, ajeitava na frente, dava uma inesquecível rebolada e punha o eleitorado masculino pra sonhar…

Me lembro que um dia, uma estagiária na Criação, que anos depois se revelaria excelente, conhecida e próspera dona de Agência, perguntou ao Arnaldo: “Por que o senhor não traz cuecas pra gente escolher?

O senhor atenderia a dois públicos-alvo e venderia o dobro”.

Arnaldo, como quem parecia leitor permanente do Kotler, retrucou: ”Não, querida. Prefiro me ater ao meu target primário. Você, por exemplo, faz parte dele com todos os méritos”.

Realmente, ela tinha um corpinho escultural.

Arnaldo faz parte de minhas lembranças e faz sentido que entre neste blog, com todas as honras de um brilhante vendedor de calcinhas.

E o melhor de tudo foi o apelido que ganhou da turma e parecia não ficar zangado, quando alguém mais afoito, anunciava bem alto:

“Gente, o lambe-lasca chegou!”

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