Onde está a Incubação?

Square

Noel Rosa, o compositor brasileiro que nos deixou um legado eterno faleceu em 1937.

Em 1933, lançou um samba, na voz do consagrado Francisco Alves e o título já naquela época arranhava as feridas da Sociedade, perguntando, corajosamente: “Onde está a honestidade”?

A letra é uma delícia. Nada mais atual. Conheça ou releia os versos que poderiam ser cantados numa passeata de hoje em dia. E confesso que seriam muito mais convincentes do que muitas “palavras de ordem” que andam por aí.

Veja só:
Você tem palacete reluzente
Tem jóias e criados à vontade
Sem ter nenhuma herança nem parente
Só anda de automóvel na cidade
E o povo já pergunta com maldade:
Onde está a honestidade?
Onde está a honestidade?
O seu dinheiro nasce de repente
E embora não se saiba se é verdade
Você acha nas ruas diariamente
Anéis, dinheiro e até felicidade
E o povo já pergunta com maldade
Onde está a honestidade?
Onde está a honestidade?

Se você quiser ouvir a gravação original:



Você deve estar querendo saber por que motivo eu estou indagando o que fizeram com a Incubação e fui buscar ajuda num samba de Noel, que pergunta pela Honestidade.

O que me fez viajar na analogia foi apenas o tom inquisidor do samba e a singela indagação de meu título.

Seria injusto insinuar que os criativos de hoje não criam com honestidade. São honestos, sim, propondo conceitos e temas de Campanhas, às vezes extraídos a fórceps de briefings mal cuidados e, por isso mesmo, inconsistentes.

Mas, voltando à pergunta original: onde está a Incubação?  

Meus queridos e saudosos alunos da Gama Filho, nos anos finais da década de 70, se estiverem prestigiando meu blog, vão se lembrar de mim, quando falava das famosas fases do processo criativo, matéria que eu gostava de entregar de bandeja, provocando neles a vontade de criar sem medo e dava atenção toda especial à fase que eu chamava de Incubação, quando o inconsciente do criador trabalha com todo o empenho para criar uma ideia nova, que resolva uma Campanha, focando na massa de informações absorvidas e manipuladas nas fases de Preparação e Manipulação, simples assim.

A força do inconsciente nesta fase é inquestionável e eu sugeria sempre que a melhor Incubação pode ser feita quando você se desliga do problema e relaxa deixando o Inconsciente cumprir o seu papel.

Nada melhor, nesta hora, do que pegar a equipe e sair da Agência para um passeio pela cidade ou para um restaurante distante, onde um certo prato é servido para atender a uma tradição respeitada.

As vezes, a gente saia do almoço, (a caipirinha fazia parte de nosso equipamento de trabalho) e íamos ao cinema ou se pegava uma lancha pra fechar a tarde em Paquetá.

Bons tempos? Ótimos tempos. Criar era um exercício de inteligência e prazer.

Eu até vou tomar a liberdade de pedir ao Marcos Silveira, ao Sergio de Paula, Gustavo Bastos, Toninho Lima, Nino Gariglio, Delano D’Avila, Fred Coutinho e tantos outros de minha geração (a memória já nos trai), que tragam seus comentários a esta provocação minha: onde está a Incubação?

E se o Adilson Xavier, Silvio Lach, Antonio Mario, Paulo Brandão, Fábio Fernandes, Capinam, Neil Ferreira, Fernando Gameleira, Roberto Wrencher, o Nizan e o Washington quiserem trazer mais lenha para esta conversa, o blog é meu, mas a casa é de vocês.

Convivendo hoje com a rapaziada, porque não desisti da luta, percebo que o processo criativo na Publicidade perdeu muito do seu espírito olímpico e descontraído.

A impressão que dá é que as ideias são buscadas no poço raso da superficialidade e nascem para atender apenas a um prazo apertado; já nascem engessadas, burocráticas, com prazo de validade vencido e parecendo que surgem somente para cumprir um job e não para consagrar marcas, produtos e serviços.

Enfim, onde está a Incubação?
Vamos tentar encontrá-la.

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